Brasil cresce, mas ainda é o país da desigualdade

Mesmo com a economia em boa fase e com os avanços sociais, o abismo entre as regiões está longe de ser reduzido. Ao longo da última década, as diferenças apenas ganharam novos formatos.
DESIGUALDADE
Ainda uma Belíndia

Apesar do forte crescimento da economia e do avanço das política sociais, o país está longe de reduzir o fosso entre as regiões
Sílvio Ribas
Com Larissa Garcia
Especial para o Correio
A estabilidade econômica, o forte crescimento dos últimos anos e a transferência de renda conjugada com a valorização do salário mínimo não foram suficientes para que o país superasse a sua profunda e histórica desigualdade regional. Ao longo da última década, as diferenças apenas ganharam novos formatos. Em estados riquíssimos como São Paulo, focos de miséria saltam aos olhos. Enquanto o Distrito Federal registra a maior renda per capita do Brasil, no seu entorno, o indicador representa apenas um quarto da média nacional. No Pará, há uma série de municípios em que o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu no mesmo período em que o Brasil ganhava musculatura para se transformar na quinta maior economia do mundo. Não à toa, a nação que hoje desperta apetite do capital estrangeiro ainda mantém a feição de Belíndia, conceito criado em 1974 pelo economista Edmar Bacha para ilustrar o modelo econômico que unia a riqueza da pequena Bélgica com a pobreza da continental Índia.


As discrepâncias foram desnudadas pelo Mapa da Distribuição Espacial da Renda no Brasil, estudo elaborado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon), ao qual o Correio teve acesso com exclusividade. Feito em 220 áreas de todo o país, com base em dados de 2008, o levantamento mostra que a divisão entre Sudeste e Sul ricos e Norte e Nordeste pobres é imprecisa. Muito além desses extremos, existem ilhas de prosperidade em estados menos desenvolvidos, como pequenas cidades embaladas pelo agronegócio e mineração, e recantos de extrema pobreza no interior de regiões industrializadas.

Os dados de desigualdade são impressionantes. Ao mesmo tempo em que localidades apresentam o dobro da taxa de crescimento econômico do país e renda pelo menos uma vez e meia acima da média brasileira, outras amargam retração e convivem com rendimentos abaixo do aceitável. Mais do que isso: onde o desenvolvimento custa a chegar, a violência cresce a passos assustadores, como na periferia de Brasília e na região de Altamira, no Pará, palco de conflitos e mortes de ambientalistas e de líderes de trabalhadores rurais. Nessa parcela de desfavorecidos estão ainda o Sul do Rio Grande do Sul e os vales da Ribeira (SP) e do Jequitinhonha (MG).

"Ao longo dos últimos 50 anos, apesar de, algumas vezes, ter havido forte intervenção do Estado em políticas, planos e programas de desenvolvimento regional, os resultados acumulados até hoje não são nada relevantes", diz Júlio Miragaya, coordenador do estudo.

Estagnação
A região metropolitana do Distrito Federal, que engloba os municípios goianos do Entorno, traz o mais explícito retrato da persistência dos contrastes geográficos. A capital de maior renda individual está cercada de estagnação e indicadores sociais ruins. Se Brasília consagra o segundo maior PIB per capita do país, com R$ 47,7 mil, superada apenas pelos
R$ 48,2 mil de Sorriso (MT), a vizinha Luziânia (GO) tem, por exemplo, rendimento oito vezes menor, de R$ 5.842.

As duas realidades são distantes no social mas próximas na geografia. O dia a dia da investidora Carmem Silvia Fontenelle, 55 anos, é uma realidade vivida por muitos moradores da capital federal. "Tenho uma vida confortável, uma boa casa, um carro e viajo sempre", conta a moradora do Lago Sul. Para ela, a boa condição financeira do brasiliense ainda é característica de uma cidade planejada. "O problema é que o número de pessoas extrapolou o previsto. É uma terra de muitas oportunidades e, por isso, atrai trabalhadores", diz. Carmem nunca foi ao entorno do DF, mas sabe "que existe muita pobreza por lá". E confessa que a desigualdade está entre suas preocupações: "O governo deveria dar um jeito nisso. Nem que fosse preciso reduzir a riqueza de uns".

A apenas 37,5 quilômetros da casa de Carmem, no vilarejo de Lago Azul, município do Novo Gama (GO), mora a família Gomes: num pequeno lote, 12 pessoas dividem o teto. Não há esgoto ou asfalto. "Vivemos com muito pouco. Até ganho o Bolsa Família, mas não dá para contar. Às vezes, vem menos, não entendo", relata a cabeleireira Iris Pereira Gomes, 45 anos. Natural de Souza, na Paraíba, ela conta que veio para Brasília com a irmã, Ilza Maria Gomes, 49, e a mãe, Creuza Gomes, 65. "Buscamos emprego e situação melhor no DF. Pensei que seria bem melhor, mas pelo menos o emprego é farto", conta. O alto custo de vida as levou ao entorno. "Morei no Gama, mas era caro demais", lamenta.

Investimentos
Apesar dos evidentes problemas, um dos maiores especialistas em políticas sociais, o economista Ricardo Paes de Barros, da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal, vê melhoras no país. "O Brasil foi o lugar onde mais se reduziu a desigualdade nos últimos dez anos. E a tendência é de as diferenças caírem ", diz. Isso se deveu a uma série de medidas oficiais, que vão do Bolsa Família à melhoria da produtividade e da escolaridade e à formalização de mão de obra. "Outras contribuições vieram de mais gasto público e de investimento privado no interior. Até a globalização ajudou."

Para Júlio Miragaya, casos atuais de desenvolvimento podem ser consequência de base econômica consolidada há décadas e da abertura de novas fronteiras agrícola e mineral. Um exemplo disso é o avanço acelerado do plantio de grãos para a exportação na região apelidada de Matopiba, sigla formada por Mato Grosso, Tocantins, Sul do Piauí e Oeste da Bahia. "Em todas as situações, percebe-se uma difusão dos ganhos por todas as camadas da sociedade", explica.

O economista ressalta que, apesar da reconfiguração produtiva em várias partes, o saldo histórico ainda faz de Norte e Nordeste regiões de ampla estagnação. "Por outro lado, contrastes internos são menores nos estados do Sul, tendo Santa Catarina o melhor exemplo de equilíbrio", acrescenta.

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