DEMÉTRIO WEBER demetrio@ bsb.oglobo.com. br SÉRGIO MATSUURA sergio. matsuura@ oglobo.com. br
-BRASÍLIA E RIO- A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República anunciou ontem a criação de um grupo de trabalho para mapear e monitorar crimes contra os direitos humanos nas redes sociais. O grupo será formado por representantes de diferentes ministérios, além da Polícia Federal, e utilizará informações fornecidas pelo Laboratório de Estudos em Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo. O laboratório desenvolveu um aplicativo capaz de monitorar em tempo real milhões de mensagens postadas em redes como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e Flickr.
— Não vamos substituir o trabalho de ninguém. O que vamos fazer é articular e interagir com os ministérios que atuam nessas áreas, agilizando ações contra aquilo que se configurar como ato criminoso — afirmou a ministra da Secretaria, Ideli Salvatti.
A ministra classificou como assustador o volume de mensagens de ódio postadas na internet. Ela citou casos de racismo e violência contra mulheres. Lembrou ainda episódios em que mensagens postadas na rede deram origem a crimes, como o linchamento e morte de uma mulher, no Guarujá (SP), em decorrência de um falso boato espalhado na internet.
— O crime virtual desemboca no crime real. O crime virtual mata — disse ela. — De 2013 para 2014, não tivemos nem um dia com aumento menor de 300% de crimes de ódio, de páginas de incitação ao ódio. É assustador como cresce esse tipo de crime.
MELHORIAS NA LEGISLAÇÃO A ministra afirmou que a legislação brasileira contra crimes cibernéticos precisa ser aprimorada e que o grupo de trabalho poderá contribuir nesse sentido.
O jornalista e professor doutor do Departamento de Comunicação da Ufes Fábio Malini está à frente do projeto desenvolvido pelo Labic. Por meio de filtros, o aplicativo consegue identificar palavras e expressões de cunho racista, preconceituoso ou de incitação à violência, em qualquer idioma e lugar do planeta. Além de apontar o usuário que postou a mensagem, o aplicativo rastreia quem passou o texto adiante, sendo capaz, em alguns casos, de indicar a localização do computador ou equipamento eletrônico de onde partiu a mensagem.
Malini explicou que os dados rastreados são públicos e que o aplicativo não chega a identificar o IP do computador, já que essa informação é protegida por sigilo. Ele disse que o diferencial do aplicativo é a sua capacidade de processar enormes volumes de informação em tempo real. O sistema foi utilizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), do Ministério da Educação, durante a realização do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Batizado provisoriamente de Hash, o aplicativo ficou pronto em agosto. Segundo Malini, caberá ao grupo de trabalho indicar as palavraschave que serão objeto de busca na internet.
— Pode ter certeza de que a biblioteca de palavras vai ser grande — assegurou ele.
Uma série de crimes de ódio no ambiente virtual ganhou repercussão recentemente. Ao longo do ano, movimentos contra a intolerância religiosa protestaram contra vídeos considerados ofensivos à umbanda e ao candomblé postados no YouTube. O caso dos filmetes repercutiu sobretudo depois que o juiz Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio, argumentou que “manifestações religiosas afro-brasileiras não constituem religião”. Em agosto passado, uma jovem negra de 20 anos, moradora da cidade mineira de Muriaé, foi atacada com comentários racistas depois de postar uma foto com o seu namorado, branco, no Facebook. “Onde comprou essa escrava?”, questionava um. Ela registrou queixa na polícia. No fim do mesmo mês, a Miss Brasil Melissa Gurgel foi alvo de postagens preconceituosas após ser coroada. Ela é cearense. “Miss Ceará bonita até abrir a boca e vir aquele sotaquezinho sofrível”, dizia uma das mensagens.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PRIVACIDADE De acordo com levantamento da SaferNet Brasil, o número de casos de discurso de ódio no ambiente virtual vem crescendo nos últimos anos. Sobre o racismo, por exemplo, a ONG recebeu 25.690 denúncias em 2006, de 3.128 páginas. No ano passado foram 78.690 denúncias, que envolveram 12.889 sites. Para Thiago Tavares, presidente da instituição, os números mostram a necessidade de se discutir o tema, mas ele critica a exclusão de setores da sociedade civil do debate. O grupo de trabalho começará a funcionar neste ano e será formado por representantes da Secretaria de Direitos Humanos, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege).
— As próprias empresas, como Google, Facebook e Twitter, têm muito a contribuir no debate e estão fora do grupo de trabalho, assim como as comunidades técnica e acadêmica e as ONGs, que há décadas militam pela defesa dos direitos humanos — critica Tavares. — As intervenções nesse tema precisam ser muito bem pensadas e estruturadas para não conflitarem com outro direito fundamental, o da liberdade de expressão.
Para o advogado Fernando Mauro Barrueco, especialista em direito digital, a preocupação é com a privacidade. O Marco Civil da Internet garante aos internautas a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas. Apesar de o Hash vasculhar apenas as mensagens públicas, é possível que mensagens trocadas em ambientes privados sejam compartilhadas inadvertidamente por terceiros.
— Programas que vasculham a rede são temerosos porque tratam todos como suspeitos em potencial — diz Barrueco. — Por outro lado, a identificação de criminosos é positiva. Os usuários precisam entender que na internet, ninguém está sozinho e não existe anonimato.
Anistia Internacional cria software contra espionagem de governos Detekt quer impedir que ‘spywares’ oficiais bisbilhotem PCs
-LONDRES- A Anistia Internacional lançou um programa, batizado como Detekt, que pode detectar softwares de espionagem usados pelos governos para monitorar ativistas e opositores políticos. Segundo a organização, muitos governos se valem de ferramentas de vigilância sofisticadas que poderiam capturar imagens de web cams ou “hackear” microfones para monitorar pessoas.
— Essas ferramentas de espionagem são comercializadas por sua capacidade de contornar um antivírus comum — diz Tanya O’Carroll, consultora em tecnologia e direitos humanos da Anistia Internacional.
Os fabricantes de softwares de espionagem costumam fazer testes para garantir que a forma como infectam e se escondem num computador não provoque alertas de segurança. Mas o Detekt tem sido desenvolvido ao longo dos últimos dois anos justamente para identificar os poucos vestígios deixados pelos programas espiões. A varredura intensa que realiza num disco rígido busca impedir qualque intrusão na máquina.
Quatro grupos de direitos civis — Anistia Internacional, Electronic Frontier Foundation, Privacy International and Digitale Gesellschaft — têm trabalhado em conjunto para criar o detector de spyware, que está disponível gratuitamente na internet.
A iniciativa está agora à procura de ajuda para manter o Detekt atualizado e ampliar a gama de programas de espionagem que ele pode pegar.
A primeira versão do Detekt foi escrita para rodar em computadores com Windows, porque na maioria dos casos as pessoas monitoradas usam esse sistema operacional, disse O’Carroll.
MONITORAMENTO DISSEMINADO Muitos governos repressivos vinham usando softwares de espionagem há algum tempo, e os programas também foram se tornando populares com os governos democraticamente eleitos, explicou a consultora. Softwares de espionagem já foram encontrados nos computadores de ativistas em Bahrein, Síria, Etiópia, Vietnã, Alemanha, Tibet, Coreia do Norte e muitas outras nações.
— É mais fácil nomear os países que não estão usando essas ferramentas de espionagem do que aqueles que estão — disse ela. — O comércio de
spyware utilizado por governos é um mercado que vale cerca de US$ 5 bilhões por ano. Já era tempo de ser mais bem regulamentado.
No entanto, o professor Alan Woodward, da Universidade de Surrey, que aconselha governos em questões de segurança, questiona se será viável para a Anistia e seus parceiros manter o Detekt.
— Não é seu principal negócio — ponderou Woodward. — Eles vão continuar a atualizar o software? Porque as variantes de spyware mudam diariamente.
Ele também questionou o quão útil a iniciativa seria contra os regimes que utilizaram softwares exclusivos desenvolvidos para esse fim em vez de versões comerciais que eram bem conhecidas e documentadas.
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