Um novo olhar da fiscalização

Nadja Sampaio - nadja.sampaio@brasileconomico.com.br

O Sindec reuniu informações que já permitem um diagnóstico de onde começam os problemas. Agora está na hora da fiscalização passar a procurar, e a sanar, a causa deles


A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça divulgou esta semana a lista das empresas com mais reclamações nos Procons de 26 estados e do Distrito Federal. São as mesmas de sempre da última década, dos dois setores que reúnem mais queixas, o de Telecomunicações e o Financeiro. Os problemas mais reclamados também são os mesmos e aporrinharam 2,5 milhões de consumidores em todo o país no ano passado. A fiscalização não está funcionando, obviamente. E os Procons estão enxugando gelo. É preciso um olhar novo das agências. É preciso mudar a postura das empresas. É um enorme gasto da estrutura pública para ficar, apenas, consertando os erros das mesmas empresas, sem que se consiga uma real proteção para os consumidores.

As dez empresas que reúnem o maior número de registros em todo o país são: Oi fixo/celular (196.377 registros), Vivo/Telefônica (111.778), Claro/Embratel (110.339), Itaú (81.537), Bradesco (73.552), Sky (67.343), TIM/Intelig (52.374), Casas Bahia/Ponto Frio/Nova Pontocom (50.585), Caixa Econômica (36.298) e Net (34.876). Na lista dos assuntos mais reclamados, a telefonia fixa ficou em primeiro lugar e a celular em segundo, seguida por bancos, cartões de crédito e TV por assinatura. Separando os dados por regiões, os problemas de telefonia são os mais demandados nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, enquanto os de bancos, cartões de crédito e concessionárias de serviços públicos (água, esgoto e energia) são os mais comuns no Norte e Nordeste. 

Mas, o coração destas informações, reunidas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), está na identificação dos problemas mais reclamados, que continuam sendo Cobrança, com 844.052 registros, 35,6% do total, e Oferta, com 420.334 registros, 17,7%. O restante está dividido em má prestação do serviço (15,6%), contrato (11,7%), problemas com produtos e serviços (8,9%), e demais problemas (10,5%). 

Quando somamos o percentual de reclamações sobre cobrança com o de queixas sobre oferta, assuntos que estão intimamente ligados, concluímos que mais da metade dos problemas (53,3%) estão concentrados nestas duas questões. Ou seja, está claro que estes são os pontos a serem atacados pela fiscalização. 

Sugiro que, na área de Telecomunicações, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), faça um trabalho, bastante utilizado pelas consultorias, que se chama cliente oculto. Imagino que todos os funcionários da Anatel tenham celulares e que cada um tenha escolhido sua própria operadora. Assim como também acredito que todos tenham TV a cabo, e, em algum momento da vida, assinaram um combo. Então, não é possível que os técnicos da Anatel não tenham sofrido os mesmos problemas dos 700 mil consumidores que reclamaram nos Procons sobre telefonia fixa, celular e TV por assinatura. 

Cada técnico da Anatel, independentemente da área em que trabalhe, poderia colaborar, fazendo um dever de casa como consumidor, e analisando o contrato que assinou com suas operadoras de telefonia e TV por assinatura, observando o que não lhe foi informado (como valores de tarifas que não estão no pacote escolhido), cláusula de fidelização com ofertas desinteressantes para o consumidor, promoções que induzem o consumidor a escolher o que não vai usar, preço excessivamente alto se a opção for contratar apenas um produto e não o combo, exigências de pagamento com débito automático ou no cartão de crédito (opções nas quais o consumidor muitas vezes não confere a conta, facilitando as cobranças indevidas), entre outras. Com isso, a agência já teria um quadro, empírico, é verdade, mas que retrataria, na prática, os abusos cometidos, sistematicamente, nas ofertas das operadoras. 

Tenho absoluta certeza de que, se algum técnico da Anatel já assinou a Sky, terá recebido, em algum momento, uma cobrança indevida. Já fui cliente desta empresa umas três vezes e em todas elas recebi cobrança indevida de assistência técnica ou de compra de filme ou de BBB. E para parar de receber a cobrança é uma luta. Este é um ponto em que a Anatel poderia intervir. Por exemplo, a empresa diz que o consumidor tem que pagar, para ser estornado no mês seguinte. A Anatel deveria obrigar que, quando o consumidor reclamasse de cobrança indevida, a empresa emitisse um novo boleto, com outra data de vencimento, sem a cobrança reclamada, até que a empresa comprovasse a dívida. Hoje, é tudo ao contrário, o cliente é que tem que provar que não contratou, pedindo à empresa a gravação. E não recebe em dobro a cobrança indevida, como prevê o Código de Defesa do Consumidor. 

Se a empresa tiver mais trabalho e mais custo para nos empurrar cobranças indevidas, talvez diminua a prática. Dos 2,5 milhões de atendimentos feitos pelos Procons no ano passado, 62% foram reclamações ou denúncias, e 38% foram consultas ou orientações. Ou seja, quase 40% dos consumidores desconfiam que estão passando por um abuso e buscam orientação antes de reclamar. Quais as dúvidas mais comuns? Este também é um caminho para a Senacon e a Anatel verificarem onde estão alguns nós das ofertas. 

O setor financeiro é mais preocupante, pois atinge uma população mais pobre e desinformada. Neste 2015 de pouco consumo, aumento de inflação e juros altos, esta camada da população fica ainda mais à mercê dos grandes bancos. Isso sem falar nos abusos do dia a dia. Na terça-feira fiquei uma hora e vinte minutos na fila do Bradesco. E no Itaú fiquei presa na fila da porta automática, até que a polícia chegasse, chamada por um consumidor que não aceitou tirar tudo de sua maleta para entrar no banco. 

É elogiável o trabalho da Senacon. O Sindec reuniu informações, ao longo dos anos, que já permitem um diagnóstico de onde começam os problemas. Agora está na hora da fiscalização mudar o olhar e passar a procurar, e a sanar, a causa deles.

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