Telecomunicações aos 20 anos de privatização

Arthur Clarke em “O Telefone: Ontem, Hoje e Amanhã”, no ano de 1976, já dizia que os ingredientes básicos do aparelho de comunicação ideal seriam o seu uso comum.  Por meio de um instrumento envolvendo teclado e vídeo, mais som e câmera de TV, seria possível uma interação face a face com qualquer pessoa, em qualquer lugar, transmitindo e recebendo qualquer tipo de informação.

Em artigo publicado no Jornal “O Estado de S. Paulo”, em 10/Out/1994, então diretor da Telebrás, eu disse: “Da convergência das quatro indústrias gigantes, de computadores, de entretenimento, de comunicações e de informações, surgirá um novo equipamento terminal, um assistente pessoal eletrônico, que não será apenas computador, mas também televisor, telefone, agenda, aparelho de fax e caixa de correio”. À época, deveria ter dito que esse terminal também seria uma calculadora, uma câmera fotográfica, uma filmadora, e outras coisas mais.
Completados seus 21 anos, ninguém discorda que o modelo de telecomunicações brasileiro se encontra defasado da realidade. A prioridade dada ao STFC pela modelagem concluída em 1997, e que resultou na Lei Geral de Telecomunicações, não é mais suficiente, ao considerar o que aconteceu nos últimos 20 anos.
No mundo, a telefonia fixa cresceu até 2006, quando acumulou 1,261 bilhão de terminais; e até o final de 2017, decresceu para 972 milhões de terminais. No Brasil, a telefonia fixa cresceu até 2014, quando acumulou 45 milhões de terminais; e até Mar/2018, reduziu para 40,4 milhões de terminais, dos quais 23 milhões (57%) são explorados mediante concessões e 17,4 milhões (43%) mediante autorizações.
As tais outorgas (concessões e autorizações) de STFC, dada à convergência dos serviços, são mais sujeitas à obsolescência (ou perda de utilidade). Em função da acentuada inovação tecnológica e da ampla concorrência, entre regulados (concessionários e autorizados) e os não regulados (OTTs), os serviços de telecomunicações passam por constante inovação regulatória.
Sabemos que o mercado de telecomunicações é peça fundamental no desenvolvimento da economia e da sociedade em qualquer nação. Dos setores de infraestrutura, é um dos mais atraentes para o investimento privado. Também deve ser mencionado que a competição na exploração de serviços é um dos vetores desse desenvolvimento, que se inter-relaciona com outro: o da universalização do acesso aos serviços básicos de telecomunicações.
A mobilidade e a Internet tornaram-se de fato o que importa no mundo das telecomunicações e da conectividade. O modelo da Lei Geral de Telecomunicações, com contratos de STFC celebrados para vigorar até 2025, já deveria ter sido revisto lá em 2010, quando da sua antepenúltima revisão contratual que valeu para o quinquênio 2011-2015, que vigora no quinquênio 2016-2020 e, se nada for feito, também vigoraria no quinquênio 2021-2025.
Portanto, já ultrapassamos há bastante tempo o fato de não termos chegado antes, e nem depois, do momento oportuno. O fato é que não chegamos à necessária, e aqui expressando uma redundância, à inevitável revisão do modelo.
Repensar o modelo é imperioso sob qualquer aspecto que se discuta. Seja porque a telefonia fixa no modelo de concessão, ou mesmo autorização, é um serviço prestes à exaustão. De 2014 pra cá, houve redução de 5,9 milhões de acessos na telefonia fixa; e não somente, também a telefonia celular reduziu 45 milhões de acessos; e na TV por assinatura a redução foi de 1,8 milhão.
Banda larga! É o grito que se escuta vindo de 57% dos 69 milhões de domicílios brasileiros que seguem desconectados por não contarem com acesso fixo à banda larga. Esse tipo de acesso, denominado Serviço de Comunicação Multimídia, é o único serviço que cresce e a cada dia que passa se apresenta como essencial. De 2014 para Mar/2018, aumentou de 24,2 milhões de acessos fixos para 29,7 milhões, o que representa 23% de crescimento.
A atenção com o consumidor continua no foco da Anatel, via medidas regulatórias que ampliam e asseguram os seus direitos, além de obrigar as prestadoras a adotar medidas eficazes para a resolução de conflitos com seus clientes. Comparando com 2016, as queixas contra as teles caíram 13% em 2017.
A redução é positiva, mas essas queixas podem e precisam ser menores. Os consumidores exigem melhor atendimento. A ação de melhoria da qualidade no atendimento pelas empresas resulta em melhoria dos indicadores, ainda não percebida por uma boa parte dos consumidores. E diga-se mais, quando o ente regulado falha, também falha o ente regulador.
Faltam acessos de SMP, com tecnologia 3G ou 4G, em milhares de distritos não sedes municipais pelo País, ou complementarmente a outras tecnológicas, falta solução via a nova geração de satélites HTS (Higt Throughput Satellite) empregando banda Ka, visando conectar propriedades rurais ou empreendimentos agropecuários à internet em banda larga com melhor qualidade.
Os editais de licitação das faixas de radiodifusão estabelecem o atendimento com tecnologia 4G em todas as sedes municipais com mais de 30 mil habitantes até 2017, e com tecnologia 3G em 100% das sedes municipais até 2019. Pois bem, em março de 2018, dos 5.570 municípios brasileiros 4.003 municípios dispunham de cobertura 4G e 5.345 municípios com 3G. Mas ainda existem quase 2.000 distritos não sede de municípios sem o serviço móvel pessoal e cerca de 30 mil localidades sem acesso à banda larga fixa.
Com enorme potencial de desenvolvimento socioeconômico pelo interior deste país de dimensões continentais e diversidade de atrativos culturais, históricos, ecológicos, entre outros o setor de turismo também reclama das limitações dos serviços.
No ano de 2017, a Anatel recebeu visitas e demandas institucionais oriundas de representantes dos três poderes, notadamente do Poder Legislativo, em todas as suas esferas; do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos Estaduais, solicitando providências para a ampliação da cobertura dos serviços de telecomunicações. É difícil justificar a esses representantes que a cobertura do SMP diz respeito apenas ao distrito-sede dos municípios.
No plano internacional a Anatel voltou a estar presente nos principais fóruns de discussões, nos quais debate a governança da internet, segurança cibernética, proteção de dados e defesa dos consumidores. Os temas liderados pelo Brasil relativos à acessibilidade, consumidor, transição analógico-digital, conformidade e interoperabilidade, comunicações de emergência, indicadores e capacitação tiveram seus textos acordados e passam a nortear os trabalhos da UIT-D para o próximo ciclo 2018-2021.
Outro ponto sob a supervisão da Anatel no plano internacional é a discussão que acontece, no âmbito do Bureau de Padronização da UIT, a respeito de proteção de dados e OTTs. Enquanto o tema de proteção de dados ainda está em fase preliminar de discussão, houve avanço com relação às OTTs. Após quase quatro anos de discussões sobre essa tema, na última reunião realizada em abril passado, a Comissão de Estudos 3 determinou uma recomendação, intitulada “Collaborative Framework for OTTs”, que faz considerações para os reguladores na análise do ambiente de telecomunicações e TICs considerando as OTTs.
A recomendação traz uma definição para OTTs, que visa delimitar o escopo de estudo da referida recomendação. A tradução livre da definição é: “OTT são aplicações acessadas e entregues pela Internet pública que podem substituir técnica ou funcionalmente os serviços de telecomunicações tradicionais”. O Brasil foi o relator da matéria e autor da definição.
O item 35 da Agenda Regulatória da Anatel dispõe sobre a reavaliação da regulamentação visando diminuir barreiras regulatórias à expansão das aplicações de IoT. Aguardamos a Câmara de IoT, uma iniciativa multistakeholder do MCTIC, para que então na Anatel sejam conduzidos os trabalhos relativos à infraestrutura.
Falando de IoT, dentre os desafios a serem tratados no Brasil, temos: a necessidade de outorga para a exploração de aplicações baseadas em IoT; a assimetria regulatória entre soluções baseadas em SMP e outras tecnologias; e as taxas de fiscalização (TFI/TFF) para aplicações IoT.
Continuar falando de agenda regulatória seria interessante, pois a Anatel, em consonância com o disposto no seu Planejamento Estratégico segue a agenda regulatória, aprovada pelo Conselho Diretor, no sentido de regular, outorgar e fiscalizar os serviços de telecomunicações, mesmo com as disposições restritivas em que se insere o setor, que se encontra engessado por um ambiente legal defasado do ambiente real.
Ainda assim, há motivo para comemorar, mas o setor de telecomunicações poderia comemorar muito mais, se fossem atendidas as demandas que se sucedem provocadas pela disrupção econômica, via transformação tecnológica.
Dos avanços e das prioridades governamentais, ocorrem resultados incontestáveis em várias áreas, como a menor inflação da história do Plano Real, as menores taxas de juros de nossa história, os dois maiores superávits comerciais e duas safras agrícolas recordes. Mas, a infraestrutura de telecomunicações, também precisa de atenção política, pelo fato de conter institucionalmente o desígnio de auxiliar as transformações necessárias para o desenvolvimento do País.
A conectividade rural é necessária, uma vez que em meio a lançamento de máquinas, sensores, drones e robôs, o principal debate no agronegócio tem sido a falta de conectividade no campo, o que inviabiliza o entendimento e manuseio de tecnologia pelos agricultores.
O fato firme é que o setor de telecomunicações aumenta a produtividade da economia, principalmente quando tratado como setor independente da atividade econômica e meio fundamental de transporte de outras atividades.
Passados 20 anos da privatização (que promoveu ambicioso desenvolvimento das telecomunicações no Brasil) a perspectiva que se abre para a sociedade é solucionar o problema institucional que vivemos, pois sequer vislumbramos as vésperas do dia em que conseguiremos uma vigorosa revisão do modelo de telecomunicações brasileiro, alterando as leis que regulam o setor, de forma clara, ousada, precisa e segura.
O País precisa definir uma estratégia e políticas voltadas ao novo ciclo de transformações trazidas pelas tecnologias absolutamente disruptivas que exigem novas estratégias ou mudanças de curso das estratégias que estão em vigor.
Para tanto, os agentes públicos responsáveis pelas políticas de telecomunicações no Brasil precisam se relacionar de forma articulada como ocorreu no período de 1995 a 1998, envolvendo todos os poderes constituídos, com coragem, vontade e atenção republicana. À Anatel compete implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações (vide art. 19, inciso I, da LGT).

Discurso do presidente da Anatel, Juarez Quadros, durante o Painel Telebrasil 2018.

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